O combate ao desmatamento é uma questão complexa, sem dúvida, mas sua solução está, sim, ao alcance da sociedade brasileira. Algumas tarefas para um trabalho bem sucedido são fundamentais: uma clara sinalização política de que os crimes ambientais não são tolerados pelo Estado, o reforço dos órgãos de comando e controle, e políticas públicas voltadas à construção de uma economia verde, que valorize a floresta em pé. Há quase três anos, em novembro de 2017, como Ministro do Meio Ambiente, Artigo|Article Por|By José Sarney Filho* falei na abertura do evento Amazon-Bonn, uma parceria do Ministério com os estados da Amazônia Legal, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e o governo Alemão, realizado durante a COP 23. Participaram também do encontro, no auditório lotado do museu de arte da cidade, os governos da Noruega e do Reino Unido, além das mais importantes entidades ambientalistas da sociedade civil. Ao meu lado, entre as autoridades, o cacique Raoni Metuktire engrandecia a representatividade da mesa. Com esse forte espírito de cooperação, tínhamos boas notícias a apresentar e boas perspectivas pela frente. Os dados oficiais consolidados do INPE indicavam que, de agosto de 2016 a julho de 2017, tivemos 16 % de redução do desmatamento, em relação aos valores do período anterior, após dois anos de aumento. Nas unidades de conservação, a queda foi ainda mais expressiva, chegando a 28%.
Embora contentes, não estávamos satisfeitos, pois a extensão desmatada ainda estava bem acima do que buscávamos: o desmatamento zero, conforme nos comprometemos em Paris. Seria preciso manter e ampliar nossos esforços para atingirmos nossa meta de eliminar completamente o desmate ilegal na Amazônia até 2030. Mas o caminho traçado estava correto e, mais ainda, havia um esforço conjunto de entendimento entre os muitos atores e interesses envolvidos. Essa reversão na tendência de alta foi resultado do foco na execução das políticas ambientais, articuladas e coordenadas pelo Ministério do Meio Ambiente, tendo como prioridade as ações de monitoramento e fiscalização. Encabeçada pelo Ibama, a integração do governo na política de comando e controle, com mobilização do ICMBio, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional e do Exército, intensificou a presença do Estado nas regiões mais ameaçadas. Para além das operações realizadas, a própria percepção dessa presença já foi, por si só, um fator de dissuasão contra o crime ambiental.
Sabemos, no entanto, que, por mais fundamental que seja, o comando e controle nunca será suficiente para resolver o problema do desmatamento na Amazônia. A região abriga 27 milhões de pessoas, que convivem com uma série de limitações em suas perspectivas sociais e econômicas, devido à necessidade — que é global, não podemos esquecer — de preservar a floresta. Para que a floresta em pé valha mais do que derrubada, precisamos de alternativas sustentáveis. Temos que trabalhar em duas vertentes. Por um lado, o desenvolvimento de uma economia verde, com geração de emprego e renda, a partir do fomento de atividades como o extrativismo, o manejo sustentável de florestas sob regime de concessão e o turismo ecológico em unidades de conservação, que tem, no Brasil, um potencial inexplorado gigantesco. A outra vertente é o pagamento por serviços ambientais (PSA), pois não basta punir a ilegalidade, é preciso reconhecer quem faz sua parte, cumprindo papel decisivo na manutenção dos estoques de carbono. Isso é transformador, pois engaja os envolvidos em ações consistentes de conservação ambiental, manutenção e recuperação da vegetação e dos corpos d´água, e cuidados com as espécies mais sensíveis da fauna e da flora. Políticas públicas de PSA devem ser voltadas à inclusão socioprodutiva das famílias e das comunidades beneficiadas. Há, ainda, a necessidade de que o enfrentamento ao desmate seja feito pelo governo federal e pelos estados, atuando lado a lado, tanto para o exercício do poder de polícia quanto para a implantação de medidas socioeconômicas. Os estados da Amazônia legal, dentre os mais pobres do país, devem ser fortalecidos com mecanismos financeiros que lhes permitam escapar do jugo econômico daqueles que enriquecem com a destruição da floresta. Dentro da Estratégia Nacional de REDD+, adotamos uma política de captação descentralizada, atendendo demanda de
longa data dos governos. Com ela, 60% dos recursos alcançados deveriam ser distribuídos entre os estados. Falo do meu trabalho porque o conheço em maior profundidade, porém todos os ministros do meio ambiente anteriores a 2019, sem excessão, seguiram o caminho virtuoso, com diferentes prioridades e dificuldades, mas sempre em favor da floresta.
O atual governo, no entanto, retrocedeu muito nesse caminho, queimou pontes importantes — como a do Fundo Amazônia, instrumento robusto e eficaz de fomento ao desenvolvimento sustentável da região —, precarizou e desmoralizou as ações do Ibama e do ICMBio, e sinalizou de diferentes maneiras que seria complacente com os crimes ambientais. Transformou o Ministério do Meio Ambiente em órgão de desmonte ambiental.
Se a Amazônia continuar a ser destruída, só teremos, num futuro próximo, uma grande e pobre savana. O Brasil precisa reassumir seu compromisso com a floresta, nosso maior patrimônio. O combate ao desmatamento é possível, é necessário e é urgente.
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