Sustentabilidade:a moeda universal

VIDI – O questionamento do multilateralismo em vários países parece ser o pano de fundo da crise ambiental no mundo. Uma panorâmica sua sobre essa ascensão dos nacionalismos mundo afora viria em boa hora para iniciar esta entrevista.
Sergio Amaral – Já nos acostumamos a ouvir que o mundo passa por um momento de grandes transformações. Talvez a globalização tenha sido mais profunda, ou mais rápida, do que esperado. A emergência de uma nova potência, a China,com 1,4 bilhão de habitantes e um crescimento anual médio de 10%, por trinta anos, provocou, e ainda está provocando, abalos sísmicos. Se, de um lado, a globalização trouxe o avanço da ciência e prosperidade, de outro, gerou desequilíbrios e reações negativas. A incerteza e o medo diante do desconhecido provocaram uma rejeição ao estrangeiro, sob a forma de imigrantes ou de produtos e trouxe de volta o protecionismo, assim como um nacionalismo, muitas vezes exacerbado. Isto ocorreu exatamente no momento em que cooperação internacional era mais necessária do que nunca, para combater o Covid 19, debelar a crise econômica e evitar que o aquecimento global venha provocar uma nova pandemia.
VIDI – O Brasil sempre foi reconhecido no Concerto das Nações como um dos grandes defensores da preservação ambiental, haja vista nosso protagonismo na Rio 92, primeira grande cúpula climática m

undial. Hoje somos praticamente os párias do mundo nesse quesito. Como perdemos a mão tão rapidamente desde Kioto?
SA – É verdade. O Brasil, depois de uma resistência inicial, abraçou a causa ecológica, sobretudo após a Rio 92. O grande encontro internacional no Rio de janeiro foi um marco na luta contra o aquecimento global. O Brasil se transformou, a partir de então, numa liderança mundial em favor do desenvolvimento sustentável. Os jovens tiveram um papel crucial nesta mudança e, de certa forma, ajudaram converter os pais. Nos últimos meses, no entanto, de líder o Brasil virou um pária. Foi uma mudança rápida, surpreendente, sem uma explicação convincente. No inicio, é preciso reconhecer, o movimento ambiental assustava a indústria. Alguns militantes ecológicos pregavam a redução do crescimento, como o caminho para proteger a natureza. Aos poucos no entanto empresários visionários e o avanço da tecnologia mostraram que era possível crescer sem poluir ou aumentar a emissão de gases de efeito estufa. Hoje, as empresas convivem em paz com o movimento ambientalista, com base no entendimento de que compartilham de interesses comuns, como a bioeconomia. É estranho que, exatamente neste momento de convergência o Brasil tenha mudado de lado e optado por uma caminhada solitária, e inclusive na contramão de vários interesses económicos relevantes, particularmente de milhares de exportadores brasileiros. O que levou a uma mudança tao rápida? Vários fatores. Primeiro a elevação significativa dos índices de desmatamento e a consequente comoção na opinião publica interna e mundial diante das fotos diárias, estampadas na primeira página dos jornais mais influentes. Em seguida, uma reação inadequada do governo. Ao invés de negar, teria sido melhor reconhecer as falhas e indicar correções. Neste contexto, a criação do Conselho Nacional da Amazônia foi um passo na direção correta.
VIDI – O senhor foi Embaixador do Brasil em Washington. Qual o papel das relações bilaterais entre Brasil e EUA que podem ou não afetar a agenda ambiental? Como as próximas eleições presidenciais americanas afetam essa agenda?
SA – As próximas eleições nos Estados Unidos terão um significado histórico. Não se trata apenas da escolha de um dirigente ou de um partido. O que estará em jogo, será a opção da população por um modelo de sociedade. Esta opção terá um grande impacto em escala mundial, inclusive no Brasil. Voltemos ao caso do meio ambiente. Uma das importantes correntes politicas que apoia o candidato Biden, liderada pelo senador Bernie Sanders, defende a adoção de um Green New Deal, ou seja a combinação do New Deal, implantado pelo presente Franklin Roosevelt nos anos 30, nos Estados Unidos, com investimentos na área ambiental, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. O New Deal levou a uma participação mais efetiva do estado nos investimentos, para ampliar as redes de proteção social e estimular a geração de empregos. O lado “green” fica por conta dos programas preconizados por Biden, na indústria e em energia, para a redução dos gases de efeito estufa.Ao mesmo tempo em a campanha eleitoral nos EUA debate estas agenda, em Bruxelas, a Comissão Europeia anunciava a Green Recovery na Europa, isto é, aplicação da maioria dos recursos de 750 bilhões de euros do Fundo Europeu de Recuperação em setores voltados à redução dos gases de efeito estufa, de modo a alcançar o objetivo da neutralidade das emissões de carbono até 2050, um objetivo certamente ambicioso. Assim, na hipótese de Joe Biden vencer as eleições deverá constituir-se uma poderosa frente interatlântica para o combate às mudanças climáticas. Esta aliança terá condições de destravar as negociações no âmbito do Acordo de Paris e dar um vigoroso impulso para a descarbonização da economia nestes dois poderosos grupos econômicos. Este cenário colocaria o Brasil na berlinda. Estados Unidos e Europa são destacados importadores de produtos brasileiros. Se a este grupo juntar-se a China, não por questões ambientais, mas em decorrência dos frequentes desencontros Brasil – China, este conjunto de três países responderia por quase 60% das exportações brasileiras. Em consequência, os exportadores de diversas partes do mundo, inclusive brasileiros, terão que ajustar seus produtos às normas para a redução das emissões de efeito estufa. Se não o fizerem, os consumidores nos principais mercados, tratarão de sancionar, na gôndola dos supermercados, os produtos que não respeitarem os padrões de proteção ambiental.
VIDI – O Brasil se comunica mal no que diz respeito ao meio ambiente? Campanhas muito agressivas contra o Brasil têm sido veiculadas no exterior, inclusive pregando o “Defund Bolsonaro”, pregando o desinvestimento aqui e fazendo alusão ao “Defund Apartheid” da década de 60 contra o regime segregacionista da África do Sul. O que temos de positivo a comunicar ou como podemos comunicar positivo?
SA – Acredito que sim. A boa comunicação requer um bom produto e a capacidade ou o talento de apresentá-lo bem. Sem bom produto não há comunicação; sem comunicação, o produto pode não ser suficiente. No nosso caso, o bom produto é a capacidade de apresentar resultados concretos no combate ao desmatamento, a curto prazo e de modo continuado. Este resultado tem que ser mostrado por vários meios. Uma aproximação maior com a comunidade científica e ambientalista no Brasil e no exterior, dará mais credibilidade a nossas políticas. Uma atenção continuada aos correspondentes estrangeiros poderá resultar em mais notícias positivas para a opinião pública mundial do que por outros meios, talvez até mais espetaculares.
VIDI – Numa pesquisa recente do grupo de Whatsapp “Parlatório”, que reúne 256 dos mais importantes CEOs e empresários do Brasil, 72% consideraram a política do governo atual com relação ao meio ambiente ruim ou péssima. 19% votaram regular, 9% boa e ZERO respostas para muito boa. O que nos dizem essas estatísticas em sua opinião?
SA – Estes números, se forem corroborados por pesquisas mais abrangentes, mostram que o aumento do desmatamento, as fotos dos incêndios provocaram um estrago sério na imagem do Brasil, inclusive entre os brasileiros. Foi um episódio triste em nossa história recente, depois de um tempo em que a taxa de desflorestamento vinha caindo de modo consistente. Foi um desastre. Não podemos desperdiçar este sentimento de indignação, mas ao contrário canalizá-lo para uma ação conjunta entre o Governo e a sociedade. É hora de os brasileiros tratarem da Amazônia, tanto suas oportunidades quanto os seus problemas, como coisa sua e pelas quais são responsáveis não apenas nos momentos de crise.

VIDI – Por falar no empresariado, grandes investidores têm emitido alertas ao Brasil para que cuidemos do meio ambiente sob pena de vermos o fluxo de capitais indo para outros lugares. O senhor vê essa ameaça como real no médio ou longo prazo?
SA – A postura de empresários em parte reflete o sentimento de indignação que tomou conta da sociedade. Mas também traduz um cálculo econômico. No início, o custo de proteger o meio ambiente era maior do que o de não proteger. Com o avanço da tecnologia e das energias alternativas o custo de proteger se tornou decrescente, enquanto que o custo de não proteger é cada vez mais alto, em face das sanções de consumidores e investidores. A vontade do cidadão e do consumidor se impõe, pelo voto e pelas opções de consumo, aos parlamentos e às cadeias de distribuição. É preciso ter sempre presente que a causa ambiental se tornou a utopia do século XXI, em comparaçao com a utopia social, que dominou o século passado. O compromisso com o meio ambiente se alastra como um mancha verde que avança por todas as paisagens e cenários, em diferentes campos da vida social: na cultura , na escola, na alimentação , na moda, na arquitetura, na literatura, entre tantos outros. A Presidente da Comissão Europeia, van der Leyen, chegou a defender, no lançamento do programa recuperação da economia europeia, uma nova estética verde, um Green Bauhaus, numa alusão a um dos mais importantes movimentos culturais na Europa, há cerca de um século.
VIDI – Como o senhor vê o setor do Agronegócio neste momento difícil de ataques de todos os lados? É um setor altamente eficiente e moderno na sua maioria, tem empresários muito sérios que sofrem as consequências do desmatamento ilegal, das queimadas e declarações por vezes infelizes. Difícil trabalhar assim, não?
SA – Eu não acredito que o agronegócio seja o responsável. A grande maioria dos agricultores cuida do meio ambiente, pois sabe que a riqueza vem da proteção da natureza e não da sua destruição. Os que desrespeitam a lei têm que ser punidos pois estão prejudicando o país, assim como a imagem do agronegócio. O agricultor brasileiro, aliás, já demostrou que é possível produzir mais e melhor, sem a expansão da área cultivada.
VIDI – Qual sua avaliação sobre a ascensão do EESG (Economics, Environment, Social and Governance), movimento que prega a gestão das empresas com observância estrita da sua viabilidade econômica, do respeito ao meio ambiente, do respeito aos colaboradores e às comunidades que impactam e de uma forte governança?
SA – O crescimento do compromisso ESG foi fortemente impulsionado pela pandemia e pelo movimento ambientalista. Tanto a pandemia quanto as queimadas ilegais, pela destrui-

ção que provocaram, levaram a uma mobilização da sociedade para enfrentar as vulnerabilidades reveladas pela crise.
VIDI – O Brasil tem a maior biocapacidade do mundo e, melhor ainda, o maior saldo de biocapacidade entre todas as nações. Ou seja, nossa capacidade de regenerar os biomas daqui é maior do que a nossa capacidade de degradá-los nos processos produtivos durante um ano. Uma economia baseada nessa biocapacidade muda o jogo completamente a nosso favor. O que falta para isso acontecer?
SA – O Brasil tem uma enorme riqueza na biodiversidade e está comprometido em explorá-la de modo sustentável. É preciso transformar este enorme potencial em realidade, consciente de que a riqueza da Amazônia não vem do desmatamento e sim do aproveitamento científico da biodiversidade. Para isto, é preciso pesquisar e investir. Eu mesmo tenho uma certa frustração pelo fato de que um projeto em que muito me empenhei, como Ministro da Indústria e do Comércio, a finalização do Centro de Biotecnologia da Amazônia, não chegou a receber recursos suficientes para pesquisa, nem mobilizar um número maior de pesquisadores e empresas para desenvolver novos projetos de biotecnologia. Talvez seja agora a oportunidade para que isto ocorra.