A capacitação para o futuro do trabalho deverá seguir a aceleração da transformação digital e preparar os profissionais para agir num mundo de incertezas intensas.
O ano de 2020 será visto, no futuro, como um ponto de transformação, especialmente em aspectos sociais e econômicos. Combinando estas esferas, e por uma ótica de mercado, há mudanças que já podem ser percebidas. Por exemplo: sobre os modos de trabalhar – o que influencia, também, outro tema que não está mais tão distante: o futuro do trabalho. Parte importante dessa discussão vem de impactos originados pela Covid-19. A pandemia levou pessoas do mundo todo ao distanciamento social e acelerou, ainda mais, a transformação digital das empresas – do trabalho remoto à virtualização de diversas relações com o mercado, além da intensificação do uso de ferramentas como a análise de dados para a
tomada de decisões Essa evolução, porém, já toma forma há muito mais tempo – e o impulso que ganhou agora só adianta seus efeitos. Não é a primeira vez que a sociedade se vê questionando o impacto da tecnologia no trabalho. Em 1955, o uso da automação na indústria ganhou uma ampla reportagem nas páginas do The New York Times. Leio este mesmo texto, 65 anos depois de escrito, em uma versão digitalizada do mesmo jornal distribuído nas ruas. Naquele mês de dezembro, os leitores encontraram, “como um novo tipo de mágica industrial”, detalhes inquietantes sobre o processo que “cortava o homem do processo produtivo”. A automação estaria ainda em sua infância – escreve o então repórter –, mas já tomava as mais variadas fábricas e escritórios dos Estados Unidos. Pode-se considerar que o mundo transitava entre a consolidação da segunda revolução industrial para o nascimento dos fatores que levaram à terceira revolução industrial. As previsões de futuro do trabalho, que certamente preocuparam muitas pessoas naquela época, se concretizaram. Não pretendo entrar em detalhes, mas, hoje, sabemos que as pessoas continuaram fazendo parte do processo produtivo. Muitas funções sumiram, outras tantas surgiram ou evoluíram – e as vagas e as pessoas, também. Agora, frente à quarta revolução industrial, o desenvolvimento estonteante da transformação digital traz a mesma pergunta e, novamente, preocupa o mercado.
Muitos postos serão perdidos. Para que as pessoas possam acompanhar a transformação, será inevitável criar grandes esforços de formação técnica digital. É muito claro que a solução deste problema envolve a atuação ampla de governos e outras instituições, como as organizações internacionais. Mas, evidentemente, dependerá de forma maciça, também, do compromisso da iniciativa privada. A Deloitte está comprometida globamente a ajudar a capacitar 50 milhões de pessoas até 2030. É uma corrida contra o relógio: que ajudará a definir não só o futuro do trabalho, mas o futuro da empregabilidade. Agora, a discussão recebeu um item adicional, além da tecnologia: a aceleração das incertezas. Tomarei emprestada uma conclusão do estudo global 2021 Global Human Capital Trends da Deloitte. “O ambiente atual de dinamismo extremo exige um nível de coragem, julgamento e flexibilidade que apenas humanos e equipes conduzidas por humanos são capazes de entregar”, diz o relatório, indo além: “Um mundo previsível poderia ser gerido por algoritmos e equações. Um mundo turbulento, não, mesmo na era de máquinas exponencialmente inteligentes.” São conclusões como essas que me fazem ver, cada vez mais nitidamente, que, independentemente de quais funções existirão no futuro – e quais desaparecerão –, há qualidades que o profissional precisará desenvolver. Acredito que, em suma, ele será “ambidestro”. Hoje, essa é uma das características mais exigidas dos líderes, e será essencial para a maior parte das posições. As pessoas deverão ser capazes de pensar curto e longo prazos simultaneamente. Deverão provocar a inovação ao mesmo tempo em que se comprometem com a eficiência operacional. O profissional precisará desmistificar a burocracia das organizações e, ao mesmo tempo, observar, com rigor, a conformidade regulatória. Precisará, também, estar apto a tomar decisões rápidas, mas resguardadas pela estratégia e pela governança corporativa. E gerir a complexidade de tudo isso sem perder a fluidez. Neste cenário, há um papel importantíssimo da educação, de seus níveis básicos à academia, e uma responsabilidade das empresas na formação das pessoas. As organizações já percebem isso. Esta foi uma das conclusões da pesquisa
Agenda 2021, da Deloitte, que traz as perspectivas de representantes de 663 empresas para a recuperação e a sustentação de seus negócio em 2021, no Brasil. Segundo o estudo, para acompanhar as transformações digital e de negócios, os empresários elegeram como prioridade investir em qualificar pessoas (84%), com criação ou ampliação de treinamentos. A capacitação precisará ser contínua e integrada à rotina do trabalho. Listo alguns caminhos: ensinar com experiências; utilizar a tecnologia para personalizar treinamentos; aproximar quem tem a ensinar e quem precisa aprender. Com diferentes gerações dentro de uma mesma organização, cria-se uma oportunidade preciosa: três ou quatro gerações trocando aprendizados, de diferentes tipos e por diferentes vias. A pessoa aberta a aprender novas competências, quando preciso, será, sim, mais bem-vinda. Isso tem a ver com formar pessoas aptas ao aprendizado contínuo – e oferecer esse aprendizado.
Comments